
Uma pesquisa do Instituto DataSenado, realizada em parceria com a ONU Mulheres, revelou que 52% dos homens brasileiros afirmam que se sentiriam incomodados caso suas companheiras recebessem salários maiores. Esse desconforto ainda é fruto de uma cultura patriarcal que associa a identidade masculina ao papel de provedor.
Relatos como os de Dave, Tom e Brendon — participantes de um estudo qualitativo publicado pelo King’s College London — ilustram como essa mudança de cenário provoca crises pessoais. “Você fica com o orgulho meio ferido”, diz Dave, que hoje cuida da casa enquanto a esposa trabalha. Brendon, por sua vez, relatou ter sido chamado de “vadio da casa” por familiares. No Brasil, usa-se muito o termo “gigolô” para descrever homens que se deixam sustentar, sob certas circunstâncias, por suas companheiras.
Desigualdade nas tarefas domésticas persiste mesmo com mulheres provedoras
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua, IBGE/2023) mostram que mulheres ainda dedicam em média 21,3 horas semanais às tarefas domésticas, enquanto homens colaboram com apenas 11 horas, mesmo quando elas possuem maiores rendas. Em casais com filhos, essa diferença se acentua.

Mesmo quando as mulheres sustentam o lar financeiramente, é comum que também assumam maior carga de trabalho invisível dentro de casa, o que indica que os papéis tradicionais permanecem enraizados.
Consequências para a saúde mental masculina
Uma pesquisa do Instituto Karolinska, na Suécia, acompanhou casais por uma década e revelou que homens cujas parceiras passaram a ganhar mais apresentaram aumento de 11% em diagnósticos de transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Outro estudo, da Universidade de Bath (Reino Unido), mostrou que a perda do papel de provedor afeta diretamente a autoestima e a percepção de identidade masculina.
O ex-consultor australiano Harry Bunton viralizou nas redes sociais ao relatar como a demissão e a inversão de papéis em sua casa impactaram sua saúde emocional. “Pode ser devastador quando os planos não dão certo. Isso faz você questionar o que é ser homem”, escreveu.
Transformação cultural ainda é lenta, mas já começou
Embora os dados globais revelem uma geração Z dividida — 28% dos homens com até 28 anos afirmam que um pai que fica em casa é “menos homem” — também há sinais de avanço. O conceito de “masculinidade cuidadosa” tem ganhado espaço em pesquisas recentes. Ele propõe a valorização de habilidades como empatia, escuta, divisão de responsabilidades e participação ativa na criação dos filhos.

O exemplo mais estruturado vem da Suécia: lá, a licença-paternidade é obrigatória e intransferível. Desde a adoção do chamado “mês do papai”, o índice de participação masculina nos cuidados infantis subiu drasticamente. Hoje, o tabu entre os suecos é perder esse direito.
Autonomia financeira feminina e impacto estrutural
Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), em países onde há maior participação de mulheres no mercado, há também aumento da renda familiar, redução de desigualdades e maior estabilidade econômica. No México, um estudo de 2022 apontou que mulheres provedoras têm mais poder de decisão sobre finanças, educação e saúde familiar.
No Brasil, 45% dos lares são hoje chefiados por mulheres, segundo dados do IBGE. Esse dado reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para equidade de gênero não só no mercado de trabalho, mas também dentro dos lares.
Repensar os papéis de gênero
Pesquisadoras como Karla Elliott (Universidade Monash, Austrália) e Heejung Chung (King’s College London) destacam que mudanças reais só ocorrerão quando os homens forem incentivados a assumir mais tarefas domésticas e a sociedade abandonar a ideia de que masculinidade está atrelada exclusivamente ao poder aquisitivo.
Isso significa reconhecer que a participação dos homens na criação dos filhos, nos cuidados com a casa e na parceria emocional com suas companheiras é visto como cada vez mais essencial para o equilíbrio familiar. E, mais do que isso, como um passo concreto rumo a relações mais saudáveis, igualitárias e sustentáveis.
A mudança leva tempo — mas começa com atitudes. Dentro de casa, no mercado de trabalho, na escola e nas conversas cotidianas.