A recente revelação de um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões pode gerar consequências ainda mais custosas para os cofres públicos. De acordo com advogados previdenciários consultados por veículos especializados, aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que tiveram valores descontados sem autorização poderão exigir na Justiça a devolução em dobro, com juros e correção monetária.
Segundo a previsão atual do INSS, cerca de R$ 292,7 milhões serão devolvidos entre os dias 26 de maio e 6 de junho. O montante corresponde a mensalidades cobradas em abril por associações e sindicatos, mesmo após o bloqueio dessas cobranças ter sido determinado. O instituto alegou que a folha de pagamento já havia sido processada antes da suspensão. A devolução abrange valores retidos desde março de 2020.
A restituição será feita automaticamente, e os beneficiários serão notificados por meio do aplicativo Meu INSS. A partir dessa notificação, os afetados terão 15 dias para confirmar se reconhecem ou não os descontos. Caso digam que não autorizaram, caberá à entidade responsável apresentar documentação que comprove a autorização.
Entidades na mira da Justiça
A Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23 de abril pela Polícia Federal e Controladoria-Geral da União, expôs a gravidade do caso. Estima-se que o esquema movimentou cerca de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2023. A repercussão levou à queda do presidente do INSS e do então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.
Os especialistas ouvidos destacam que a conduta pode ser enquadrada em diversos crimes. O advogado Márcio Pires cita apropriação indébita previdenciária, prevista no artigo 168-A do Código Penal, além de possíveis práticas de estelionato e falsificação de documentos.
Já o advogado Elimar Mello ressalta que a responsabilização civil das entidades deve ser objetiva, ou seja, sem a necessidade de comprovar dolo ou culpa. “O INSS, por sua vez, tem responsabilidade por não adotar medidas de governança e controle para proteger pessoas em situação de vulnerabilidade”, pontua.
Pode haver pagamento em dobro
Embora a devolução simples esteja prevista na atuação administrativa do INSS, juristas lembram que, se for comprovada má-fé por parte das entidades envolvidas, os aposentados têm respaldo legal para exigir restituição em dobro, conforme o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Também pode haver indenização por danos morais.
“O Superior Tribunal de Justiça já tem jurisprudência reconhecendo essa possibilidade”, explica Elimar. No entanto, ele alerta: “Se a devolução ocorrer de forma ágil e de boa-fé, sem judicialização, o pagamento de juros e correção monetária pode ser afastado.”
Judicialização é possível — mas com cautela
A judicialização desses casos tende a aumentar, segundo o advogado Ubiratan Dias. “Só no nosso escritório, no Rio Grande do Sul, temos mais de 100 processos sobre descontos que começaram antes mesmo da operação da Polícia Federal”, revela.
Os valores indevidos variam entre R$ 40 e R$ 90 por mês, incluindo também descontos no 13º salário. Apesar disso, Ubiratan diz estar orientando seus clientes a aguardar o processo administrativo antes de acionar o Judiciário, com o objetivo de evitar sobrecarga e garantir maior celeridade.
A recomendação é clara: os beneficiários devem acompanhar os comunicados do INSS, registrar formalmente sua oposição aos descontos não autorizados e, caso a devolução não ocorra de forma satisfatória, buscar orientação jurídica para acionar os responsáveis judicialmente.