Morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, um dos líderes mais carismáticos da América Latina nas últimas décadas. Mujica lutava contra um câncer no esôfago e estava em tratamento há meses.

Figura de forte apelo popular, Mujica ficou mundialmente conhecido por seu estilo de vida simples, seu discurso anticonsumista e sua trajetória marcada por resistência, sofrimento e transformação. Sua morte ocorre a poucos dias de seu aniversário de 90 anos, que seria celebrado em 20 de maio.

Um discurso que o projetou ao mundo

Durante a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em junho de 2012, Mujica fez um discurso que o transformaria em um nome global. Com um apelo direto à consciência ambiental, questionou:

“O que acontecerá no dia em que os indianos tiverem a mesma proporção de carros por família do que os alemães?”

Ao criticar o modelo consumista e alertar para o impacto ambiental e social da busca desenfreada por bens, Mujica se destacou como um dos poucos líderes de esquerda da América Latina a colocar a pauta ambiental como prioridade ainda na década de 2010. Seus pares, como Lula e Hugo Chávez, só mais tarde — e com menos ênfase — passaram a abordar o tema.

Um presidente que vivia como o povo

José Alberto Mujica Cordano nasceu em uma família de pequenos produtores rurais nos arredores de Montevidéu. Durante sua presidência (2010–2015), recusou-se a viver no palácio oficial e manteve sua rotina em um sítio simples no bairro de Rincón del Cerro, onde dirigia seu trator e cuidava da terra. Em 2023, chegou a dar carona em seu Fusca azul ao presidente Lula.

Seu estilo informal desafiava os protocolos: saía sem escolta, comia em restaurantes populares, andava de moletom sujo de barro e convivia com sua cadela Manuela, de três patas, até a morte dela em 2018. Mujica doava cerca de dois terços do salário presidencial a projetos sociais.

Guerrilheiro, preso e torturado

Antes de se tornar presidente, Mujica teve uma trajetória marcada pela luta armada. Nos anos 1960, juntou-se ao Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros, grupo de inspiração socialista e anarquista. Participou de assaltos e ações armadas, como a tomada da cidade de Pando em 1969.

Preso em diferentes ocasiões, foi capturado pela última vez em 1972 e passou mais de uma década em duras condições — incluindo tortura, isolamento e humilhação — sob o regime militar instaurado no país em 1973. Foi libertado com a redemocratização, em 1985, sem jamais ter sido julgado.

Da prisão à presidência

Após deixar a prisão, Mujica e outros ex-guerrilheiros abandonaram as armas e se integraram à Frente Ampla, coalizão de esquerda que assumiria o poder anos depois. Em 2010, ele foi eleito presidente do Uruguai, levando para o cargo a mesma visão de mundo que o moldou nos anos de militância.

Mujica viveu até o fim ao lado da ex-senadora Lucía Topolansky, também ex-guerrilheira. O casal não teve filhos.