Por um instante, imagine Jesus Cristo – a figura histórica que mais promoveu a paz em todos os tempos – orientando seus discípulos a receber treinamento militar, com uso de armas letais, para usarem numa guerra em defesa dos interesses geopolíticos de suas nações. Inimaginável, não é? É conhecida a passagem no evangelho de João 13: 34, 35, na qual Jesus disse que o amor, não o empenho nacionalista violento, seria a marca mais identificadora dos seus seguidores.
Na Ucrânia e na Rússia, membros das Testemunhas de Jeová, grupo cristão bem conhecido no Brasil por suas visitas de casa em casa, estão sendo presos pelos respectivos governos. Na Rússia, por recusarem envolvimento político e nos esforços de guerra, sendo classificados como “extremistas”; na Ucrânia, por recusarem pegar em armas e se envolver na luta armada, matando russos, em defesa do território. Para esses cristãos, é inconcebível matar outras pessoas, mesmo que estejam envolvidas questões de soberania de território e liberdade pessoal. Essas disputas, para as Testemunhas de Jeová, são exclusivas do mundo político e militar, e não podem ser abraçadas – em nenhum dos lados – por quem professa o cristianismo e a paz.
Prisões na Ucrânia
Na Ucrânia, membros das Testemunhas de Jeová começaram a ser presos nos primeiros meses de 2025 por se recusarem a prestar serviço militar, baseados em suas convicções religiosas. As prisões ocorrem apesar da legislação nacional e internacional reconhecer o direito à objeção de consciência.

Segundo informações divulgadas pelo site jw.org, o primeiro caso registrado foi o de Vitalii Kryushenko, detido em janeiro de 2025. Em seguida, outras prisões foram efetuadas, incluindo a de Andrii Khomenko, 50 anos, que foi condenado a três anos de prisão em fevereiro. Na mesma linha, Serhii Ivanushchenko, 48 anos, também iniciou o cumprimento de uma pena de três anos após recusar, de maneira respeitosa, o alistamento militar.
Outro caso citado envolve Serhii Nechaiuk, de 35 anos, que foi preso em março. Além disso, os membros Mykhailo Adamovych, Yaroslav Bodnarchuk e Oleksandr Radashko teriam sido transportados à força para unidades militares. Por se recusarem a vestir uniformes e portar armas, eles enfrentam acusações de desobediência a ordens militares e podem ser condenados a penas de cinco a dez anos de cadeia.
A organização religiosa destaca que essas ações contrariam tratados internacionais que protegem o direito à objeção de consciência, como o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ambos ratificados pela Ucrânia. A própria Constituição ucraniana também assegura o direito de realizar serviço civil alternativo em vez do serviço militar obrigatório, algo que tem sido desrespeitado pelo governo de Volodymyr Zelensky.
Prisões e ampla perseguição na Rússia
Desde 2017, as Testemunhas de Jeová enfrentam forte repressão na Rússia, após a Suprema Corte do país classificar a pacífica organização religiosa como “extremista” e proibir suas atividades. Essa decisão resultou na criminalização de práticas cristãs pacíficas, como reuniões de adoração e estudos bíblicos, tratados como envolvimento em atividades extremistas.

De acordo com informações atualizadas até fevereiro de 2025, pelo menos 146 membros das Testemunhas de Jeová permanecem presos na Rússia devido à sua fé. No total, mais de 850 fiéis já foram processados, 588 foram incluídos em um registro federal de extremistas e terroristas, e 460 passaram algum tempo privados de liberdade. Na maior parte dos casos, o governo não aceita que um grupo religioso coloque a lealdade a uma crença de paz acima dos interesses do Estado controlado por Vladimir Putin.
As acusações no país de Putin se baseiam no artigo 282.2 do Código Penal Russo, que criminaliza a organização de atividades de entidades consideradas extremistas. Entre os casos recentes, destaca-se o de Maxim Khamatshin, 28 anos, acusado de gerenciar “células extremistas”. Ele apenas dirigia estudos da Bíblia. Em fevereiro de 2025, o Tribunal Municipal de Yoshkar-Ola, na República de Mari El, condenou e multou dez membros da comunidade religiosa por estudarem os ensinamentos de Jesus.
Há também denúncias de maus-tratos contra os detidos. Um dos episódios mais graves envolve Rinat Kiramov, que teria sido torturado enquanto estava sob custódia em um centro de detenção em Akhtubinsk.
A repressão contínua às Testemunhas de Jeová na Rússia tem gerado forte reação internacional. Em 2022, a Corte Europeia dos Direitos Humanos declarou ilegal a proibição da organização na Rússia e determinou que o governo russo encerrasse os processos criminais, libertasse os fiéis presos e devolvesse propriedades confiscadas ou pagasse indenizações.
Apesar das condenações externas, as autoridades russas mantêm a classificação da pacífica organização das Testemunhas de Jeová como extremista, e a perseguição judicial e policial contra seus membros persiste.
O que dizem as Testemunhas de Jeová
“Como uma família mundial, oramos para que Jeová continue a consolar e proteger esses irmãos fiéis e todos os que se esforçam para permanecer leais”, afirmou o jw.org.
Em artigo recente em seu site jw.org, as Testemunhas de Jeová analisaram a situação na Ucrânia, classificando-a como ilegal, segundo a legislação internacional. Elas travam batalhas nos tribunais, tanto na Ucrânia como na Rússia, para exercer o direito à própria crença religiosa e liberdade, incluindo a recusa de participar em guerras ou em movimentos políticos.