• Estudo da Unicamp revela que mortes maternas por hipertensão continuam elevadas no Brasil, mesmo sendo evitáveis.
  • Entre 2012 e 2023, ocorreram quase 21 mil mortes maternas, sendo cerca de 18% causadas por hipertensão.
  • Taxa média geral no Brasil é de 61,8 mortes maternas por 100 mil nascimentos, superior à média de países desenvolvidos.
  • Mulheres negras têm taxa de mortalidade quase três vezes maior que mulheres brancas; indígenas têm o dobro.
  • Pandemia da Covid-19 causou aumento na mortalidade por hipertensão em 2022, com queda aparente em 2023 (dados ainda em observação).
  • Início precoce do pré-natal é essencial para prevenção.
  • Medicamentos simples e baratos, como cálcio e AAS, podem reduzir complicações em até 40%.
  • Sulfato de magnésio é essencial em casos emergenciais para evitar convulsões fatais.
  • Maior mortalidade entre mulheres com mais de 40 anos devido à presença de doenças prévias.
  • Estudo reforça necessidade urgente de medidas para combater desigualdade e melhorar o acesso à saúde.

Mesmo sendo totalmente preveníveis, as mortes maternas causadas por hipertensão continuam ocorrendo em todo o Brasil. É o que revela um estudo recente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com dados coletados entre 2012 e 2023. A análise destaca ainda como a desigualdade social e o racismo estrutural impactam diretamente na mortalidade de mulheres grávidas, em trabalho de parto ou no puerpério.

Durante os 11 anos analisados, quase 21 mil mulheres morreram por causas relacionadas à gestação, sendo que 3.721 óbitos (cerca de 18%) foram provocados por distúrbios hipertensivos. A taxa média geral no Brasil foi de 61,8 mortes a cada 100 mil nascimentos, valor abaixo do limite de 70 estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas ainda muito superior à média dos países desenvolvidos, que gira entre 2 e 5 óbitos por 100 mil.

Desigualdade racial é evidente

O estudo reforça que não existe predisposição biológica para maior mortalidade entre determinados grupos raciais. No entanto, as taxas de morte entre mulheres indígenas foram mais que o dobro das observadas entre mulheres brancas, enquanto a taxa entre mulheres pretas foi quase três vezes maior.

“A explicação está nas condições sociais”, explica o estudo. Mulheres negras, pardas e indígenas estão mais propensas a viver em situação de pobreza, com acesso limitado à educação e, principalmente, à saúde. Além disso, o viés racial sistêmico dentro do sistema de saúde ainda leva a atendimentos desiguais e, muitas vezes, desumanos.

Efeitos da pandemia e um dado fora da curva

A análise revela ainda que, em 2022, foi registrada a maior taxa de mortalidade por hipertensão no período: 11,94 mortes a cada 100 mil nascimentos. Os pesquisadores apontam que esse aumento pode estar ligado aos impactos da pandemia da Covid-19, que desorganizou o atendimento pré-natal e obstétrico entre 2020 e 2021.

Já em 2023, a taxa caiu para 8,73, o que representa uma melhora. Ainda assim, os autores do estudo tratam esse número com cautela e o consideram um ponto fora da curva, até que novos dados confirmem uma possível tendência de queda.

A importância do pré-natal precoce

Para o professor José Paulo Guida, do Departamento de Tocoginecologia da Unicamp, a chave para a prevenção está no início precoce do pré-natal. “Uma mulher não morre de uma hora para outra. Houve diversos momentos em que ela poderia ter sido tratada para não morrer”, alerta.

Atualmente, a média de início do pré-natal no Brasil é por volta da 16ª semana, ou seja, já no quarto mês de gestação. No entanto, o ideal seria que o acompanhamento médico começasse logo após a confirmação da gravidez, especialmente para mulheres com fatores de risco.

Medicamentos simples podem evitar complicações

Dois medicamentos baratos e acessíveis — o carbonato de cálcio e o ácido acetilsalicílico (AAS) — podem reduzir em até 40% o risco de complicações graves se administrados corretamente antes da 16ª semana de gestação. Em fevereiro, o Ministério da Saúde determinou o uso do cálcio para todas as gestantes e do AAS para aquelas com maior risco.

Mas, segundo Guida, para que essas medidas tenham resultado, é necessário garantir o fornecimento contínuo dos medicamentos nas unidades de saúde e capacitar os profissionais para identificar os sinais de risco logo nas primeiras consultas.

Sinais de alerta e medidas emergenciais

As gestantes devem ser orientadas a procurar atendimento médico de urgência caso apresentem sintomas como:

  • Dor de cabeça persistente;
  • Inchaço no rosto ou braços;
  • Dor abdominal acompanhada de náusea;
  • Pontos brilhantes na visão.

Nesses casos, o uso imediato de sulfato de magnésio pode ser decisivo. Segundo Guida, essa substância reduz drasticamente a chance de convulsões decorrentes da hipertensão. “Quando a mulher tem uma convulsão, o risco de morte se aproxima de 50%”, alerta o especialista.

Mortalidade aumenta com a idade

A pesquisa mostrou que, entre mulheres com mais de 40 anos, a taxa de mortalidade chegou a 31 a cada 100 mil nascimentos. Isso porque, nessa faixa etária, é mais comum que a gestante já tenha doenças crônicas como hipertensão ou diabetes, o que aumenta a complexidade da gravidez.

Além disso, 2,4 mil mortes por hemorragia registradas no período podem também ter relação com a hipertensão, já que a doença prejudica a produção de plaquetas e dificulta a coagulação do sangue.

Conclusão

O estudo evidencia que, apesar de o Brasil estar dentro do limite internacional da OMS, o número de mortes maternas por hipertensão continua elevado e desigualmente distribuído entre os grupos raciais e sociais.

Ações como pré-natal precoce, acesso garantido a medicamentos preventivos e capacitação das equipes de saúde são cruciais para mudar esse cenário.

(Foto: © Arquivo/Andre Borges/Agência Brasília)