A Cacau Show, considerada a maior rede de franquias do Brasil com mais de 4.600 unidades, está no centro de uma crise reputacional após uma série de denúncias feitas por franqueados e ex-funcionários. Os relatos apontam desde práticas abusivas de gestão até um clima de culto à personalidade em torno do fundador e CEO da empresa, Alexandre Tadeu da Costa, conhecido como Alê Costa.

Em entrevista à Folha de S.Paulo e ao Metrópoles, franqueados denunciaram cobranças indevidas, retaliações e dificuldades extremas para manter suas lojas em funcionamento. Um dos casos emblemáticos envolveu um encontro realizado em maio de 2022, quando Alê Costa reuniu franqueados na sede da empresa, após uma série de pedidos de ajuda, choros e relatos de quase falências. No episódio, ele preparou um licor de cacau diante de uma fogueira improvisada como símbolo de esperança.

Alê Costa, fundador e CEO da Cacau Show, durante evento em São Paulo – Ronny Santos – 08.ago.2024/Folhapress

Entretanto, para parte dos franqueados, o gesto simbólico não se converteu em soluções reais. Um dos entrevistados afirmou acumular uma dívida de R$ 2 milhões. Outro, do interior do Rio Grande do Sul, relatou ter solicitado parcelamento de valores em aberto após as enchentes de 2023, recebendo como resposta da consultoria da empresa: “Lamento pelo ocorrido, mas seguimos os padrões estabelecidos”.

A empresária Náira Alvim Passionoto, ex-franqueada da unidade de Rancharia (SP) e diretora da Associação União de Franqueados, relatou ter ficado um ano sem receber produtos por se recusar a pagar a chamada “taxa do cacau”. Mesmo assim, continuou sendo cobrada com royalties de 50% sobre o estoque e taxas de mídia. Náira é também autora da trilogia “A Doce Amargura – Um Caso de Fracasso Muito Bem-sucedido”, que narra sua experiência com a rede.

Segundo os relatos, a “taxa do cacau” foi imposta em 2024 com o argumento de que o aumento no preço internacional do cacau não foi repassado ao consumidor final. Um franqueado chegou a apresentar um boleto de R$ 40 mil referente à taxa, após a Páscoa de 2024. O advogado Sandro Wainstein, da Associação União de Franqueados, afirma que a taxa é ilegal por não estar prevista em contrato.

Outras cobranças controversas dizem respeito à taxa de publicidade. Franqueados afirmam que não recebem qualquer prestação de contas sobre os valores pagos e que a verba é usada para promover o próprio Alê Costa, ao invés da marca ou produtos. Dois ex-franqueados disseram ter sido cobrados com três taxas diferentes de forma sequencial, o que inviabilizava qualquer lucratividade em lojas de cidades pequenas.

O sistema MinSet, adotado pela Cacau Show para sugerir encomendas automáticas, também é alvo de críticas. Vários franqueados alegam ter recebido carregamentos com produtos de baixa saída e com validade inferior a 30 dias, sem possibilidade de devolução. Em um dos casos mais graves, uma franqueada recebeu mais de 1.500 ovos de chocolate na sexta-feira anterior ao domingo de Páscoa, sem aviso prévio.

O clima de “seita”

As críticas não se restringem a questões financeiras. Franqueados e funcionários relatam um ambiente com rituais motivacionais que beiram o devocional. Entre eles, está a participação em cerimônias com velas, cânticos e roupas brancas lideradas por Alê Costa, além do incentivo para que colaboradores fizessem tatuagens com a palavra “atitude”, igual à que o CEO tem no antebraço.

Em redes sociais, franqueados insatisfeitos criaram o perfil “Doce Amargura”, onde compartilham relatos anônimos. A criadora da página, que ainda é franqueada, afirma ter sido surpreendida com uma visita do vice-presidente da empresa, Túlio Freitas, que teria perguntado pessoalmente o que ela queria para encerrar as publicações.

Na Justiça, os processos acumulam-se. Um deles, que tramita na 25ª Vara Cível de Brasília, aponta a retirada de crédito de franqueados como retaliação por litígios judiciais. O juiz Julio Roberto dos Reis considerou a prática como um “mero revanchismo” e afirmou que ela “viola o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição”.

Acusações graves de gordofobia, homofobia, assédio moral e sexual, bem como discriminação estética, também foram levadas ao Ministério Público do Trabalho, segundo documentos revelados pelo Metrópoles. Os denunciantes alegam que a direção da empresa ignorava ou acobertava essas práticas.

Outro ponto polêmico é a suposta proibição de gravidez a funcionárias em determinados setores. Embora a empresa não comente específicos, o MPT acolheu os relatos para investigação.

Resposta da empresa

Em nota, a Cacau Show afirma que “não reconhece as alegações” e que se baseia “na confiança mútua, no respeito e na conexão genuína com os franqueados”. A companhia reforça que as visitas de Túlio Freitas a franqueados são parte de suas atribuições profissionais e “sem qualquer relação com perfis em redes sociais”. Também destaca seu compromisso com valores éticos e crescimento conjunto.

A reportagem segue acompanhando os desdobramentos e novas manifestações de franqueados e da empresa.